terça-feira, 9 de março de 2010

RUA de S. JULIÃO 111

A entrada dos empregados para a sede do Banco era pelo nº 111 da Rua de S. Julião. Pelo menos desde que eu entrei no Banco.- Maio 1974 -.


Recordo-me que no final dos anos 70, havia no passeio e encostada às paredes junto à porta e tapando as janelas que estão entre a porta e a Rua Augusta, uma banca de jornais e revistas. Não sei se os responsáveis do Banco deixavam ou se o PREC não admitia oposição do Banco a essa banca.

A entrada era às 9 e a saída era às 6 da tarde.
Eu descobri que uma colega, que me tinham apresentado uns dias antes, andava a estudar e tinha dispensa para sair às cinco da tarde. Eu, solteiro mas não militante, saía às 5 menos 5 da tarde, a tomar um café, e ficava ali a ler os títulos dos jornais.
E então... claro, lá me encontrava.
- Oh! por aqui?
- É... é a minha hora do cafezinho... (mentira que eu, já nessa altura, não bebia café).
Ao terceiro ou quarto "café" em frente dos jornais, combinamos encontrar-nos para jantar. A partir dali, não precisei mais do café das cinco.
Não é que eu gostava mesmo daquela miúda?!
Ainda hoje não sei porque é que não deu certo. Talvez por eu gostar mesmo dela e não ter conseguido mostrar-lho.
Só sei que um dia deixou de me atender o telefone e eu vi desmoronar-se um projecto de vida.
Vidas da Baixa pombalina... Recordações da saída de S. Julião...

Um colega do contencioso, contou-me que andava a tratar do divórcio duma colega, que tinha deixado de gostar do marido. Acontece ao mais pintado...
O marido continuou a lutar por ela e veio a saber que ela andava a sair com outro empregado do BNU.
Então, um dia, o marido traído, mas compreensivo e lutador, esperou o arranjinho da mulher à saída do 111 de S. Julião.
Apresentou-se e disse-lhe que sabia tudo e que lhe dava até ao Natal para deixar de andar com a sua mulher... (parece que ainda faltavam 3 meses para o Natal, de forma que não se pode chamar ao marido um intolerante insuportável).

Entrando pelo 111, tínhamos, logo em frente, um elevador que ia até ao 4º andar.
Conta-se que o empregado chamado Engenheiro (que faleceu muito novo, de acidente automóvel), um dia, estando nesse elevador com outros colegas, entrou o D. Luis Pereira Coutinho, governador do Banco, e o elevador acendeu a luz vermelha. O Engenheiro disse ao senhor que tinha que sair, porque, se não, o elevador não andava.
- O senhor sabe com quem está a falar?
- Não não sei, mas como foi o último a entrar, tem que ser o senhor a sair.
- Olhe que eu sou o D. Luis.
- É o D. Luis I ou o D. Luis II?
Também se conta que o Engenheiro, uma vez estava à porta do 111 e um director veio dizer-lhe que já passava das duas da tarde e que fizesse o favor de entrar.
O engenheiro terá dito que não sabia do que o senhor estava a falar porque ele não era trabalhador do BNU. O director pediu-lhe desculpa e o engenheiro continuou na sua descontração.
Conheci o Engenheiro e era realmente um monumento à descontração e boa disposição. Que a terra lhe seja leve!


Se eu agora fosse o Fernando Pessoa, que também andou por estas ruas no dia a dia da sua vida, fazia uma poesia ao 111 de S. Julião.
Tinha que referir os desgostos e as ilusões que por ali entraram e saíram, as correrias para chegar a tempo de apanhar o livro de ponto, as saídas apressadas para apanhar o combóio do Cais do Sodré e chegar a tempo de apanhar o filho na escola.
Mas também podia descrever, com ditos belos ou épicos, as escapadelas de amantes fogosos ou as desilusões de paixões não correspondidas.
E teria lugar a celebração do estudo, do trabalho árduo, da luta pela progressão individual e colectiva, que fizeram do BNU um grande banco que talvez tenha acabado pelos desmandos que vários governos, após a revolução de Abril, praticaram, aproveitando-se dos seus activos para tapar políticas incompetentes que ainda agora todos estamos a pagar.

1 comentário:

  1. E logo a seguir ao nº111, (creio que nos anos sessenta), foi montado o AUTOBANCO. Ali, os clientes, podíam fazer depósitos sem sair do carro.Numa janela estava um caixa e um contínuo chamado Coelho, mas como tinha sido emigrante em França, era chamado de Monsieur Lapin.
    ARAUJO

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