segunda-feira, 19 de março de 2012

BNU - CABINDA

Cabinda é uma das 18 províncias de Angola.
A capital da província de Cabinda é a cidade de Cabinda.




Tem uma superfície de 7 283 km² e cerca de 265 000 habitantes. Os habitantes de Cabinda são conhecidos como Cabindas ou ainda por "fiotes". O dialeto falado é o Ibinda.
Cabinda, conhecida no passado como Congo Português, foi a parcela do antigo Reino do Congo atribuída a Portugal, por ocasião daConferência de Berlim (1885), quando simultaneamente nasceram o Congo Belga (ex-Zaire e actual República Democrática do Congo) e o Congo Francês (ex-Congo Brazzaville e actual República do Congo). Cabinda era unida territorialmente a Angola, mas a Bélgica reivindicou uma saída para o Atlântico para o seu Congo Belga, o que foi concedido por Portugal através de um acordo, selando definitivamente a separação de Cabinda do restante de Angola.
Nas vésperas da referida Conferência, os príncipes e os notáveis de Cabinda assinaram o Tratado de Simulambuco com Portugal, pelo qual o território de Cabinda passou a ser protectorado luso.
Após o 25 de Abril ficou integrada na República de Angola.

BNU - Cabinda
O Enclave de Cabinda em 1917




Corria o ano de 1917, quando o delegado do Banco Nacional Ultramarino, Telmo Bandeira foi encarregado pela direção do Banco, através de uma carta reservada, enviada em abril para São Tomé, da missão de visitar as propriedades da Companhia de Cabinda, no Mayombe, antigo Congo Português.
Partiu de São Tomé no Vapor Zaire, da Empresa Nacional de Navegação, em 11 de agosto, com destino a Cabinda, onde chegou no dia 13 à noite. Seguiu no dia 15 para Chiloango, para se encontrar com o Sr. António Victorino, administrador da Companhia. Da localidade, seguiu em tipoia (meio de transporte terrestre tradicional) até ao Chinfimo, na margem esquerda do Rio Chiloango a 20 quilómetros da foz, e dali até à povoação do Chiloango, no Vapor Pinto da Fonseca, propriedade da Companhia.
O percurso, feito em Tipoia de Cabinda ao Chinfim (30 quilómetros), fazia-se em cerca de 6 horas, e deste porto ao Chiloango, no vapor, rio abaixo, demorava-se cerca de meia hora. Se o percurso fosse efetuado diretamente de Cabinda ao Chiloango, em tipoia (cerca de 40 quilómetros), o tempo gasto seria, no mínimo, cerca de 8 horas.
A tarefa tinha como principal objetivo, a elaboração de um relatório para ser enviado à gerência do Banco, em Lisboa, fazendo uma descrição minuciosa do estado dos territórios em posse da Companhia, mas também de outros terrenos que o Banco pretendia adquirir no território.
Um ano mais tarde a Companhia de Cabinda iria elevar o seu capital social para três milhões e seiscentos mil escudos, operação realizada por um importante grupo de investidores, encabeçado pelo Banco Nacional Ultramarino.
O relatório elaborado pelo empregado do BNU Telmo Bandeira exerceu muita influência neste aumento de capital da Companhia, liderado pelo BNU.
Essa força está implícita no relatório de 1918 da própria Companhia de Cabinda, onde é frisado o seguinte:
“Encontra-se portanto actualmente a nossa companhia em condições de desafogo para desenvolver as suas plantações, mormente as de cacau que na opinião do delegado do Banco Ultramarino pode antes de 5 anos atingir uma produção de 76.000 arrobas”.
Telmo Bandeira elaborou um relatório completo sobre tudo o que presenciou na região, fazendo uma descrição minuciosa sobre todos os aspetos do Enclave.
O Relatório concluído em São Tomé, e enviado em 18 de outubro para Lisboa, é constituído por 98 folhas e 86 fotografias que testemunham a sua passagem por Cabinda.
O enviado acreditava que a região estava dotada para um grande número de explorações. Só carecia de recursos humanos, orientações e perseverança, pois estava convencido que Cabinda podia ser um centro comercial muito importante, uma vez ligado ao comércio de Chiloango e às explorações agrícolas do Mayombe. Não lhe restando, no entanto, qualquer dúvida de que tanto o cacau, como o café se dariam ali, esplendidamente, garantindo de futuro, resultados certos.
As dificuldades da Companhia deviam-se exclusivamente à ignorância quase absoluta do que era o Mayombe e a sua riqueza.
No relatório, podemos encontrar descrições preciosas sobre o que por si foi presenciado, completado com sugestões de ideias e politicas que poderiam ser adotadas, para melhorar a produção dos terrenos da Companhia e também da região.
As 86 fotografias enriquecem grandemente o relatório, dado Telmo Correia ter tido a preocupação de fotografar o mais importante do que testemunhou.
É, sem dúvida, um documento fundamental para se saber como se encontrava o antigo enclave português no primeiro quartel do sec. XX.
A região de Cabinda, mais concretamente o Maiombe, tem algumas características que a tornam uma região especial. Entre elas, está em destaque a presença da segunda maior floresta do mundo, depois da Amazónia no Brasil, a floresta do Mayombe.
Outra característica emblemática da região é o povo Bakama, grupo que acredita na interação entre o seu grupo vivente e os espíritos ocultos dos deuses e dos antepassados, assegurando assim a reconciliação entre vivos e mortos.
Era na altura, segundo a visão de Telmo Bandeira:”… uma região fértil, povoada de magnificas florestas, e vigorosa vegetação, pouco acidentada até ao Bucco Zau, o máximo de altitude de 100 metros, por ele correm alem de muitos ribeiros secundários os Rios Chiloango-Loango-Luci-Lubambe e Lucucuto”.
É portanto neste enquadramento que este valioso relatório nos poderá elucidar de forma detalhada como se processava a exploração destes territórios, perceber também as características intrínsecas da floresta e entender a atividade exercida pelos vizinhos estrangeiros dos portugueses, no Congo belga e no Congo francês.
Existem várias informações no relatório a ter em conta: detalhes variados sobre a Companhia de Cabinda (habitações, senzalas, enfermaria, tráfego marítimo, plantações de cacau e café, área plantada e área total), distâncias e formas de circulação na região (tipoia, canoas, barco a vapor), e ainda, informações sobre o Congo belga e francês.
Também existem informações sobre a inoperância da máquina administrativa portuguesa no território, a circulação nos portos, sugestões onde os embarques deveriam ser feitos e apontamentos sobre a povoação de Chiloango.
Surgem igualmente dados sobre a flora e a existência de grande riqueza de produtos alimentares, informações detalhadas sobre o cacau (sempre realçando que o seu cultivo e comercialização era mais vantajoso que o de São Tomé). Isso é deveras comprovado em excertos do relatório: “ É sem duvida esta cultura a que maior atenção tem merecido à Companhia, e com justa razão visto que o terreno é magnífico para a sua cultura”.
Destaca-se também a opulência das madeiras, que constituía um dos principais negócios da Companhia, e neste, em particular, é importante o relato: “As principais que se conhecem, pois é possível, que de futuro apareçam na floresta mais, entre outras são as seguintes:
Para construção: M´gulo-maze, M`bôza, Cambala, Tola-chifuta, Menga, Senha, Senhungo, Mangkte, Tola, Undienuno, Muabi, M`Poça, Safu-Cola, Cassa-Cassa, Casca, Mogno, Tacula. Para marcenaria: N´Vigna, N’Limba, Magne Branco, Senhungo, Mudienono, Magkte, Muabi, Mogno, Tacula. Com sementes oleaginosas: Muabi, Bula-Lausa e palmeiras de várias castas. Para tinturaria: Tacula”.
Estes nomes são referidos no relatório em indígena-Fioti, pois ignoravam-se os nomes botânicos da maior parte das espécies.
Também existem alusões à cultura de café e ao azeite de palma, que, juntamente com o cacau, constituíam uma das maiores riquezas da Companhia, aliadas à sua imediata exploração.
Outro aspeto interessante do relatório, são as sugestões dadas para elevar as produções das fazendas no aumento da exportação dos produtos comercializados na zona: “A produção das fazendas, pode ser elevada, na proporção da limpeza dos palmares, e do seu aproveitamento por meio de linhas férreas, ou caminhos em que possam transitar camiões, que servindo as plantações de cacau e café, servirão igualmente os palmares”.
Outra sugestão curiosa é a seguinte: “Com o pessoal hoje empregado no fabrico de azeite, se houvesse caminho de ferro nos palmares, o fabrico seria pelo menos 10 vezes mais, mas no estado rudimentar em que tudo está, em que o cortador, tem de trazer de grandes distâncias com a pinha de andim à cabeça, não é possível fazer mais”.
Outros temas merecem também ser referidos: informações sobre os cacaueiros, borracha, algodão, tabaco e vários tipos de coqueiros.
Há ainda referência a outras culturas, nomeadamente as existentes nas feitorias da Companhia, mas que necessitariam de maior incentivo, dando, neste caso, sugestões para o seu desenvolvimento. Entre estas culturas destaca-se o açúcar e o arroz.
Da leitura, deduz-se que a Companhia podia deter muitas outras culturas, quer para exportação, quer para consumo próprio e local, tais como, o milho-mandioca e os seus derivados, batata-doce, pimenta, nós moscada, canela-baunilha e cultura da cana.
Os terrenos da Companhia e das margens do Chiloango é tudo quanto há de melhor para a cultura da cana, pois são terrenos ricos cheios de húmus, regados, sempre que carecem e alargados no tempo das chuvas por pouco tempo”.
Destaca-se neste particular este excerto do relatório:
“O terreno é magnífico, tudo se dá com generoso pagamento da semente”.
Entre os vários produtos existentes no território há também a destacar a grande variedade de bananas, papaias, safú, manga, abacate, nona, fruta-pão, malolo, cajueiro, goiabeira, maracujá, tamarindo, jaca, laranjeira, tangerineira, figueira e o limoeiro.
Consta ainda do relatório, a existência de numerosos papiros na região, considerações sobre botânica e a enorme variedade de plantas.
Também o regime vigente no derrube e abate de árvores é aflorado, a fauna e a grande existência de água.
Na floresta do Mayombe destaca-se uma grande variedade de espécies animais, nomeadamente o elefante e o leopardo. Mais em abundância o Chimpanzé, macacos de variadas raças, o porco-espinho, javali-antilope, pacassa, veado e um sem número de mamíferos. Existem também águias, abutres, papagaios, pavões e rolas. Nos rios é focado o Jacaré, e muitos outros répteis de pequena importância.
Numa leitura ainda mais profunda, o relatório testemunha preciosas informações sobre temas tão diversificados como a forma como se descarregava a mercadoria e esta era embarcada para a Europa, os procedimentos da Empresa Nacional, na forma como se fazia o comércio na África Portuguesa (detendo aqui o monopólio) e o problema da falta de limpeza dos rios, como entrave á circulação na floresta.
A falta de caminhos no Mayombe constituía um problema, assim como, o estado em que se encontravam outros terrenos que não estavam na mão da Companhia. Salienta-se a falta de mão de obra, a ausência de posto meteorológico e a proliferação de insalubridade na região.
A assistência médica também era inexistente, enquanto serviço prestado pelo Estado focada a inexistência de assistência médica fornecida por parte do Estado. Este, era apenas realizado pelos feitores e enfermeiros, nas feitorias. Telmo Bandeira, aflora ainda questões relacionadas com o número de população e as condições da estrada de Cabinda a Landena. Sugere, no mesmo relatório, a construção de um caminho de ferro que ligasse Cabinda à fronteira francesa, sendo este, a melhor solução para o desenvolvimento geral da mesma.
Muito curioso e emblemático sobre a falta de comunicação na região, é o relato da ineficácia da linha telefónica: “…se percorre km e km, em que se encontra o fio pelo chão quebrado; é desolador este abandono. Montada foi ela, mas em seguida abandonada, e é isto, o que mais certo tem esta nova montagem”;
Seria demasiado exaustivo enumerar todas as informações disponibilizadas no relatório sobre a realidade encontrada em Cabinda.
A verdade é que o emissário do BNU tentou fazer um relatório o mais pormenorizado possível. Neste contexto é provável encontrar nesta exposição “quase” todo o espelho da realidade Cabindense na primeira década do século XX, dado Telmo Bandeira ter alargado a sua análise para além dos terrenos que pertenciam á Companhia de Cabinda.
O relatório tem como testemunho global a contestação da magnificência dos terrenos que a Companhia detinha e a mais profunda convicção que uma futura aposta económica do Banco Ultramarino neste local, seria uma excelente decisão. Essa realidade é comprovada pelas suas ideias espelhadas no relatório: “A riqueza dos terrenos que a Companhia já possui é de resultado tão certo, que um grande serviço prestarão ao país, fazendo com que o Banco, decididamente auxilie a reforma da Companhia de Cabinda…que tenha capitais para desenvolver as suas plantações e mais trabalhos, arrancando á terra a riqueza que ela encerra”.
Outro excerto exemplificativo da sua confiança: “A minha fé no futuro do Mayombe, e portanto no da Companhia de Cabinda é absoluta, e lamento que a falta de fortuna, me não permita concorrer para o seu desenvolvimento, e nem ter uma situação no mundo da finança, que me permitisse directamente trabalhar na organização de uma finança, que me permitisse directamente trabalhar na organização de uma Companhia; mas será para mim, motivo de muita satisfação e orgulho, se este meu relatório fizer despertar o interesse pelo futuro do Mayombe”.
Do relatório podemos depreender a enorme riqueza do solo, das excelentes condições climatéricas, geográficas e sociais que tornavam fácil e natural o desenvolvimento da Companhia de Cabinda. Nele é evidente a“imagem” de uma terra afortunada e fantástica, em que qualquer tentativa de negócio, se fosse devidamente arquitetada e posteriormente realizada, teria provavelmente um destino prometedor.
Mas tal como aconteceu anteriormente e possivelmente algumas vezes acontecerá no futuro, não são as melhores ideias, nem os melhores intérpretes que “comandam” os negócios e as empresas. Muitas vezes são colocados os interesses pessoais e os de algumas organizações, à frente do desenvolvimento das sociedades, dos países e do próprio Estado.
A ideia fulcral que o relatório transmite é a visão de uma terra esplêndida, com grandes potencialidades mesmo para a época, mas armadilhada de muita burocracia, ausência quase total de apoio estatal e grandes dificuldades na articulação da produção e comercialização dos produtos. Ressalva igualmente a ideia da falta de um plano geral gizado quer pelo Estado, quer por privados, para o aproveitamento económico e comercial do Enclave de Cabinda.
Infelizmente, a Companhia apesar de até 1925 ter apresentado alguns lucros, começaria, a partir desta data, a acumular dívidas, sendo o montante da mesma, em 1929, de 3.980.000$00 contos.
Várias mudanças administrativas e ações intentadas por alguns acionistas levaram, no mesmo ano, a direção da Companhia a tentar arrendar as suas propriedades em África à Sociedade belga Bunge….!!!!
Existe a confirmação de que foi lido, dado estar rasurado e emendado a lápis, não existindo contudo outras fontes de informação adicionais no relatório.
No processo individual de Telmo Bandeira, não existe nenhuma menção da sua passagem por Cabinda. A informação mais relevante é a de que foi colocado na situação de supranumerário pela ordem de serviço nº 283 em 1 de março de 1932.
O relatório está atualmente disponível à consulta no Arquivo Historio do BNU.
Rui Miguel - Arquivo Histórico CGD
Março 2012

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