A cidade da Beira, capital da província
de Sofala, em Moçambique, celebra no dia 20 de agosto o seu aniversário de
elevação ao estatuto de cidade. O seu desenvolvimento desde um pequeno posto
militar até se tornar num dos principais portos marítimos da costa oriental
africana no período colonial, deve-se muito à Companhia de Moçambique.
Joaquim Carlos Paiva de Andrada, oficial
do exército português e adido militar em Paris, fundou, em conjunto com outras
personalidades portuguesas, a Companhia Nacional de Moçambique, à qual, em 2 de
Dezembro de 1888, foi concedido pelo estado português, o direito que se
propunha a exploração colonial dos distritos de Sofala e da Zambézia (no
litoral norte de Moçambique).
No entanto, os sucessos iniciais da
Companhia entravam em conflito com os interesses britânicos na região e em
particular com a empresa rival de Cecil Rhodes, a British South Africa Company
(BSAC). Esta tinha pretensões em estender as suas terras no interior da África
austral até ao litoral no canal de Moçambique. Tal desencadeou uma série de
conflitos militares na região entre as duas empresas e conflitos diplomáticos
entre os governos de Portugal e do Reino Unido. Como resultado final destas
diligências, foi firmado entre os dois governos, a 11 de julho de 1891, um
tratado que reconhecia as fronteiras coloniais de ambos os países. Outros
termos do acordo determinavam que o governo português teria de facilitar as
comunicações terrestres entre o litoral e as terras no interior sob jurisdição
britânica.
Impossibilitado economicamente de
avançar com tais obras, o Estado português delegou esses compromissos na reformulada Companhia
de Moçambique, que passou a ser constituída por capitais portugueses, ingleses
e franceses, e tinha funções de companhia majestática sobre os distritos de
Manica e Sofala – área no centro de Moçambique, a sul do rio Zambeze e a norte
do rio Save, sendo delimitada a oeste pelas terras da BSAC (atual Zimbabwe). Tinha sede em Lisboa e delegações em Londres e Paris.
Locomotiva - 1925 |
Comboio de mercadorias - 1930 |
Em 1892, iniciou-se a construção da
ligação ferroviária entre a Beira e a cidade fronteiriça, nas terras da BSAC, de Umtali (actual Mutare). Começou a funcionar em fevereiro de 1898 e um ano mais tarde foi
continuada a sua ligação até à capital da colónia britânica, Salisbury (atual
Harare).
Ponte ferroviária sobre o Rio Zambeze |
Cidade da Beira - 1954 |
Os investimentos feitos pela Companhia, na produção mineira e agrícola, atraíram muitas famílias de colonos portugueses para a região e a
cidade da Beira evoluiu nas comunicações
rodoviárias e elétricas.
A 20 de agosto de 1907, aquando da
visita oficial do príncipe herdeiro, Luís Filipe, este trazia o decreto real
que elevava Beira ao estatuto de cidade. Inclusive, foi através do cognome do
príncipe (“Príncipe da Beira”) que a povoação foi renomeada – anteriormente
denominava-se Chiveve.
Filial do BNU Beira - 1942 (antigas instalações da Companhia de Moçambique) |
Dos privilégios concedidos à Companhia,
esta teve o controlo dos correios locais e a publicação de selos, para além da
emissão de notas. Para tal, e com vista a retirar de circulação as moedas
depreciadas que então giravam nessa zona, começaram a tomar medidas no sentido
de instituir uma sociedade bancária emissora no território. Uma vez que o Banco
Nacional Ultramarino era a entidade que tinha o privilégio emissor para as
colónias ultramarinas portuguesas, o Estado português e a Companhia de
Moçambique tiveram de chegar a acordo com aquele de modo a poderem implementar
uma agência no território. O BNU estabeleceu uma agência na cidade da Beira e
que funcionou entre 1916 e 1919, altura em que, a 2 de junho desse ano, se fundou
o BANCO DA BEIRA incorporando aquela agência como sede e com o BNU a contribuir
com metade do capital inicial.
As emissões do Banco da Beira eram
expressas em libras para as notas de ouro e foram colocadas a circular em 1919.
Em 1924, foram lançadas em circulação cédulas de prata expressas em escudos.
O
recurso à libra esteve relacionado precisamente com as obrigações assumidas
pela Companhia para com as possessões inglesas e ao volume de trocas comerciais
com as mesmas. Inicialmente, o Banco da Beira adotou o ‘estalão esterlino’
inglês. Posteriormente, passou para o ‘estalão ouro’.
Todas as notas e cédulas foram
produzidas pela Bradbury, Wilkinson & Co. Ltd. e eram assinadas por dois
administradores e pelo gerente da agência.
Entre 1925 e 1926, a concessão de
créditos ilimitados associados à emissão de papel-moeda, cujo volume não estava
em concordância com as reservas disponíveis, resultou na desvalorização das
emissões do Banco da Beira em cerca de 70%. Considerando esta situação ruinosa,
a assembleia geral de acionistas da Companhia de Moçambique, celebrada em 22 de
outubro de 1929, deliberou a liquidação do Banco. Tal teve como consequência a
transmissão do privilégio de emissão de papel-moeda para a própria Companhia de
Moçambique.
Para prosseguir com as funções de
emissor, a Companhia de Moçambique criou a Caixa de Emissão da Companhia (CECM)
a 26 de maio de 1930.
Esta teve de cumprir o prazo de 6 meses
para retomar a circulação fiduciária, determinado pelo decreto-lei que
extinguiu o Banco da Beira. Para tal, teve de reaproveitar notas e cédulas
emitidas pelo Banco, aplicando-lhes sobrecargas para legitimar que estas
pudessem continuar a girar.
As primeiras emissões da Companhia de
Moçambique, exclusivas e com o seu letreiro gravado, começaram em novembro de
1930. Estas abandonaram o ‘estalão ouro’ e passaram a ser convertidas em
‘soberanos ingleses’ (moeda em ouro). Em termos do seu desenho, o papel-moeda
era em tudo idêntico ao do Banco da Beira, sendo a única diferença no letreiro
que identificava a entidade emissora.
Todas as notas e cédulas estão assinadas
pelo gerente da CECM e de um administrador.
Em setembro de 1931, o Reino Unido
abandonou o ‘estalão ouro’ da moeda que circulava no seu país e nas suas
colónias de então. Tal medida fez com que o padrão-ouro, a sul do Equador,
passasse a existir somente no território da Companhia de Moçambique, o que
poderia originar a fuga do comércio e do tráfego marítimo do porto da Beira. De
modo a evitar esta situação, o governo publicou por decreto de março de 1933, o
abandono do padrão-ouro da moeda corrente no território. Assim, as emissões
posteriores têm uma alteração na chapa de gravação onde não consta mais a
indicação «Ouro». A convertibilidade da moeda passou a fazer-se na base de 110
escudos por cada libra.
A 18 de julho de 1942, prescreveram os
poderes majestáticos da Companhia de Moçambique sobre os distritos de Manica e
Sofala, sendo estes incorporado na administração do Estado português.
Terminaram também nessa data os privilégios emissores da Companhia e, por via
do contrato em vigor e celebrado entre o Estado e o BNU, passaram para este
último, que passou a ter a função emissora doravante para todo o território
moçambicano. As notas e cédulas da Companhia de Moçambique perderam a sua
convertibilidade junto do Estado português a 30 de abril de 1943.
O BNU começou a operar na cidade da Beira
a partir das antigas instalações da CECM e as suas emissões passaram também a
ter curso legal em Manica e Sofala.
Nova filial do BNU - Beira - 1954 |
atual |
A 9 de setembro de 1954, foi inaugurado um
novo edifício para a filial da Beira, contribuindo ainda mais para a
modernização arquitetónica da cidade e tornando-se num novo foco económico.
A Companhia de Moçambique continuou a
existir como empresa agroindustrial e comercial, desenvolvendo um grupo de
empresa que, na década de 1960, se constituiu na Entreposto Comercial –
Veículos e Máquinas, S.A..
Textotirado (resumido) do site de
Gabinete do Património Histórico da
Caixa Geral de Depósitos
Nuno Fernandes Carvalho
Setembro de 2012